A virtude do juiz constitucional não está em ser visto, mas em ser confiável

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A recente aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso reabriu um debate tão previsível quanto incômodo para alguns de nós: a sucessão no Supremo Tribunal Federal. Antes mesmo da sua despedida, vários nomes passaram a circular em entrevistas, colunas e bastidores, como se a cadeira de ministro fosse objeto de disputa eleitoral. Essa movimentação, que beira a pantomima política, revela algo mais grave que a mera vaidade pessoal: um lamentável desvio de compreensão institucional sobre o que significa servir ao Supremo Tribunal Federal.

O STF não é arena de representação, nem instrumento de militância. É o vértice da jurisdição constitucional, cuja legitimidade repousa na combinação entre o saber jurídico, a temperança e a reserva pessoal. A liturgia do cargo exige não apenas notável saber jurídico e reputação ilibada, mas também modéstia e consciência do seu próprio papel. Por isso, a verdadeira discrição não se inicia no presidente da República que o indica, mas em quem cogita ser indicado.

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O dever de contenção é prévio: quem aspira ao Supremo deve demonstrar, antes de tudo, a serenidade de quem compreende a grandeza do silêncio. A Constituição de 1988, ao atribuir ao presidente da República a exclusiva prerrogativa de escolher os ministros do STF, conferiu-lhe uma discricionariedade qualificada, a ser exercida sob o controle político do Senado Federal, mas, tanto quanto possível, livre de campanhas e de pressões externas.

No entanto, quando eventuais pretendentes se lançam publicamente, mobilizam apoios e constroem redes de influência, terminam desfigurando o espírito do processo, corroendo a vontade objetiva do Constituinte. O que deveria ser ato de Estado descamba para uma lamentável feira de vaidades. A esse respeito, há mais de trinta anos, o ex-ministro Paulo Brossard advertiu com muita precisão sobre esse perigo. Em carta dirigida ao então presidente Itamar Franco, em 1993, escreveu que “ninguém, por mais eminente que seja, tem direito de postular o cargo, que não se pleiteia, e aquele que o fizer, a ele se descredencia”. A advertência, simples, direta e lapidar, permanece, como se pode perceber, muito atual.

Para Brossard, a grandeza da suprema toga está, justamente, em não ser objeto de uma ambição pessoal; a toga se aceita como dever cívico, nunca se disputa como um prêmio. Relembrar suas sábias palavras é reafirmar que o Supremo não é campo de conquista, mas de renúncia. A sucessão do ministro Barroso apenas ilustra o quanto o ruído público corrói a sobriedade institucional. Um tribunal cuja composição se torna tema de campanha corre o risco de perder aquilo que lhe confere autoridade: a aparência — e, mais do que tudo, a própria substância — da imparcialidade.

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A liturgia do silêncio é parte da liturgia da Justiça. Um ministro não representa grupos nem correntes; representa a Constituição, que é impessoal por definição por carregar consigo a vontade de toda uma Nação. A defesa da discrição, portanto, não é defesa do segredo, mas da sobriedade. O presidente da República deve exercer sua prerrogativa com responsabilidade e liberdade; o Senado Federal, por sua vez, com rigor e transparência; e os potenciais indicados, com modéstia e contenção. Quando todos esses elementos se equilibram, o processo produz legitimidade. Quando um deles se rompe — sobretudo o da reserva moral de quem cogita ser ministro — instala-se o descrédito.

Em tempos de vaidades instantâneas, o Supremo deve permanecer como um espaço de recolhimento. A virtude do juiz constitucional não está em ser visto, mas em ser confiável. Por isso, como disse Brossard, não há candidatos ao Supremo Tribunal Federal. Há, apenas, aqueles que, pela formação jurídica, discrição e serenidade, tornam-se naturalmente dignos de serem lembrados. Portanto, colegas, não se candidatem ao Supremo Tribunal Federal.

Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-virtude-do-juiz-constitucional-nao-esta-em-ser-visto-mas-em-ser-confiavel