Reforma tributária desafia estrutura de escritórios e preparo jurídico, aponta Reuters

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A menos de um ano da implementação do novo sistema de tributos no Brasil, quase metade (48%) dos escritórios de advocacia ainda não possui plano estruturado de preparação para a reforma tributária, segundo o relatório Reforma Tributária do Brasil 2025 – Construindo a Ponte Jurídica para a Reforma Fiscal. O estudo, elaborado pelo Thomson Reuters Institute, aponta que, embora 93% dos profissionais jurídicos já tenham feito leitura técnica sobre o tema e 64% tenham participado de cursos de atualização, a preparação prática ainda é desigual: apenas 27% das bancas buscaram assessoria externa e 37% seguem em estágio inicial ou incipiente de adaptação.

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O levantamento foi realizado entre julho e agosto deste ano, com 46 profissionais de escritórios de advocacia em todo o país, e aponta um cenário de conhecimento teórico amplo, mas com execução insuficiente diante da dimensão da mudança. A reforma, aprovada em 2023 e sancionada em 2024, entra em vigor em 5 de janeiro de 2026, com transição gradual até 2033. O novo sistema unificará cinco tributos — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — em um sistema IVA Dual, composto pela CBS (tributo federal), o IBS (tributo estadual e municipal) e o Imposto Seletivo (IS).

“A busca por maior segurança jurídica é um dos pontos centrais da reforma, e os escritórios de advocacia brasileiros têm papel essencial no apoio a seus clientes nessa transição”, afirma Rodrigo Hermida, vice-presidente do segmento de profissionais jurídicos da Thomson Reuters para a América Latina. “Nossa pesquisa mostra que muitos escritórios ainda precisam reforçar suas estruturas para conduzir os clientes com segurança ao longo dessa mudança histórica, contando com tecnologia e conteúdo.”

Impacto transformacional à vista

O estudo aponta que 74% dos escritórios esperam impacto alto ou disruptivo da reforma sobre suas operações nos próximos cinco a dez anos — período em que o novo sistema tributário deve atingir plena maturidade. A estratégia de negócios é identificada como a área mais exposta às mudanças (34%), seguida de resultados empresariais (31%), contratação e desenvolvimento de talentos (18%) e processos digitais (17%).

Os sinais de pressão já aparecem no curto prazo: 41% dos entrevistados relataram aumento na carga de trabalho, e 52% esperam crescimento adicional nos próximos meses. O movimento é impulsionado por clientes que começam a buscar orientação sobre o novo ambiente regulatório. Para 78% dos profissionais jurídicos, haverá aumento nas disputas judiciais, e 89% preveem crescimento expressivo em processos administrativos relacionados à aplicação do IVA dual.

“Existe uma desconexão entre o conhecimento técnico e a ação prática”, disse, ao JOTA, Juliana Ono, Diretora da Thomson Reuters. “Não é falta de estudo, é a necessidade de preparar estrutura, tecnologia e equipes para um cenário que muda tudo. O setor historicamente reage à demanda do cliente; agora o desafio é antecipar e liderar a travessia.”

Incerteza regulatória

A pesquisa destaca que os maiores risco percebidos para os clientes são:

  • aumento da carga tributária (25,2%);
  • complexidade para acompanhar a nova legislação (24,3%);
  • diferenças de interpretação entre o Comitê Gestor e a Receita Federal (21%).

Esses fatores representam, segundo o relatório, “as rochas abaixo da superfície” da travessia. São riscos que podem comprometer estratégias empresariais se não forem endereçados preventivamente.

A Thomson Reuters observa que, embora o objetivo da reforma seja simplificar e dar transparência ao sistema tributário, a multiplicidade de novas normas e órgãos administrativos tende a gerar disputas de competência e interpretações divergentes, especialmente durante os primeiros anos de transição. “A reforma exige que os escritórios naveguem por uma nova arquitetura regulatória, com normas inéditas e instâncias decisórias ainda em formação”, afirma o relatório. “O papel das bancas será construir a ponte entre seus clientes e a nova legislação, garantindo segurança jurídica nesse processo.”

“Modelagem de cenários será decisiva”, afirma Ono. “Muitas bancas não têm internamente todos os perfis necessários — contadores, especialistas financeiros — e por isso parte do mercado recorre à assessoria externa. Onde há lacunas de talento, tende a haver mais busca por apoio para treinar as equipes e oferecer simulações precisas ao cliente.”

O treinamento e a qualificação de profissionais despontam como o principal gargalo do setor. Seis em cada dez escritórios (61%) afirmam estar pouco ou nada preparados para lidar com as mudanças. O déficit de expertise interna, alerta o estudo, pode “enfraquecer as oportunidades e aumentar os riscos” na assessoria a clientes.

Por outro lado, 63% dos escritórios relatam prontidão moderada a alta em infraestrutura tecnológica, o que indica que as bancas brasileiras estão mais equipadas em ferramentas do que em talentos. As plataformas de simulação e cálculo tributário são a solução tecnológica mais buscada (24%), seguidas por artigos práticos e guias aplicados (21%), doutrinas jurídicas aprofundadas (20%) e inteligência artificial para apoio à pesquisa (18%). Nos próximos seis meses, 26% dos escritórios pretendem ampliar investimentos em tecnologia, enquanto programas de formação profissional avançam mais lentamente.

“Tecnologia não substitui o talento, mas encurta o caminho”, diz Ono. “Calculadoras e simuladores permitem que o advogado, mesmo sem dupla formação contábil, estime impactos com dados do cliente. O ponto é alinhar a ferramenta certa com equipes treinadas — sem isso, até sistemas modernos vacilam sob pressão.”

Segundo Juliana Ono, a maturidade varia por porte e perfil: “Grandes bancas full service costumam ter talentos seniores e base tecnológica, o que reduz desafios de infraestrutura. Nos médios, há um espectro amplo — alguns já quase grandes, outros recém-saídos do pequeno. Para todos, é crucial checar se o fornecedor de tecnologia está apto a entregar conteúdo, ferramenta e adaptações exigidas pela reforma (inclusive em emissão de notas) já a partir de 2026.”

Da “guerra fiscal” ao planejamento por operação

Para além da implementação, a lógica do planejamento tributário também muda. “A reforma desloca o foco de incentivos locais e ‘guerra fiscal’ para o entendimento fino da operação do cliente”, afirma Ono. “Com a padronização, ganha valor conhecer o negócio em profundidade: cadeia de créditos, estratégia de preços, enquadramento. O planejamento passa a exigir um ‘engenho’ diferente — menos geografia, mais operação.”

A Thomson Reuters identifica uma mudança de fase no comportamento das bancas. Se até agora a reação predominante era de adaptação imediata, o próximo ciclo deve ser marcado pela consolidação de estruturas duradouras. Entre os entrevistados, a maioria pretende manter níveis de investimento estáveis entre dois e quatro anos, priorizando tecnologia, compliance e gestão de talentos. Menos de 7% planejam cortes, o que indica comprometimento com o fortalecimento organizacional.

A empresa observa que o setor jurídico se desloca de um movimento reativo para um movimento estratégico, voltado à construção de resiliência. “Os escritórios não devem apenas construir — devem liderar”, resume o estudo. “Devem garantir que suas estruturas sejam fortes o suficiente para transportar seus clientes com segurança até o outro lado.”

“‘Liderar a travessia’ significa proatividade”, sintetiza Ono. “O cliente vai demandar de qualquer jeito. A oportunidade para a advocacia está em guiar desde já — interpretar as mudanças, antecipar riscos e apresentar rotas antes de o problema estourar.”

Recomendações para o setor jurídico

O relatório encerra com seis recomendações para que as bancas brasileiras fortaleçam sua atuação na nova era tributária:

  • Priorizar o treinamento interno, com modelagem de cenários e foco em interações com clientes;
  • Investir em talentos especializados, contratando profissionais com conhecimento aprofundado em tributação e regulação;
  • Adotar ferramentas tecnológicas avançadas, como plataformas de simulação, cálculo e inteligência artificial jurídica;
  • Fortalecer o engajamento com clientes, por meio de conteúdo educativo e guias explicativos sobre os impactos da reforma;
  • Alinhar estratégia jurídica e resultados empresariais, com avaliações regulares de impacto;
  • Manter disciplina de investimento de longo prazo, evitando cortes reativos e reforçando as capacidades centrais.

“É um momento de muitas oportunidades”, conclui Ono. “A advocacia que agir agora — combinando talento, tecnologia e entendimento do negócio do cliente — vai chegar do outro lado com vantagem competitiva.”

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O futuro da advocacia na era do IVA Dual

Com a transição para o IVA Dual iniciando em 2026 e conclusão prevista para 2033, a advocacia brasileira, na avaliação dos responsáveis pelo relatório, entra em uma década de reconfiguração estrutural. O documento prevê crescimento da litigiosidade, expansão das demandas consultivas e valorização de competências tecnológicas e regulatórias. Para o Thomson Reuters Institute, que também publicará versões voltadas a corporações e escritórios de contabilidade, o sucesso dessa travessia dependerá da capacidade do setor jurídico de transformar conhecimento técnico em estratégia aplicada.

“Como uma ponte bem projetada, a infraestrutura jurídica deve ser funcional, reforçada e pronta para suportar o peso das regulamentações em evolução”, conclui o documento. “Os escritórios que tomarem ações estratégicas hoje estarão melhor posicionados para liderar amanhã, guiando seus clientes rumo a um futuro fiscal mais estável.”

Fonte: https://www.jota.info/coberturas-especiais/jurisprudente/reforma-tributaria-desafia-estrutura-de-escritorios-e-preparo-juridico-aponta-reuters