Venda de fração ideal menor que o módulo fiscal
Visto que o fundamento da propriedade é a utilidade, onde não houver utilidade possível não pode existir propriedade
“Visto que o fundamento da propriedade é a utilidade, onde não houver utilidade possível não pode existir propriedade.” Rousseau
As pessoas morrem. Isso é um fato. Quando morrem, deixam seu patrimônio aos seus sucessores. É nesse contexto que você pode se tornar proprietário de uma parte de uma propriedade. Agora, se essa parte herdada for de um imóvel rural, o fundamento de Rousseau pode ser inexistente e você estar obrigado a manter uma propriedade que não queira e, o pior, não poderá vende-la. Da série: leis que não fazem sentido, ou ao menos a interpretação que se dá a elas, há o art. 65, do Estatuto da Terra: “o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural.” O INCRA determina qual é o tamanho mínimo de um imóvel rural para cada cidade ou região, o que é chamado de módulo fiscal ou de propriedade rural. Ocorre que, você e seus irmãos podem ter herdado de seus pais um sítio ou chácara localizada em área rural e, por óbvio, cada herdeiro ficará com uma fração ideal, que pode ser menor do que o módulo fiscal. Você, como proprietário, daquela propriedade de Rousseau, nem de sítio gosta, e decide vender sua fração ideal para qualquer pessoa. Se, de fato, a fração ideal que você é proprietário for menor que o módulo fiscal, adivinhe? Não poderá vender, e o argumento é dos melhores possíveis. Não se pode haver parcelamento irregular da propriedade rural. Exatamente o que você leu. O argumento não argumenta. A legislação veda a divisão em área inferior ao módulo fiscal e não a alienação de fração ideal para que haja coproprietários. Sequer a Lei que criou o Sistema nacional de Cadastro Rural proíbe a alienação de fração ideal de imóvel rural menor que a do módulo fiscal. O equívoco é na interpretação da Lei, já que o próprio Conselho Superior da Magistratura possui o entendimento exarado em decisões recentes, como nos processos 1019470-78.2016.8.26.0506 e 1000358-78.2018.8.26.0272, nos quais se consignou que: “o óbice legal, como se vê, não está na alienação de imóvel rural com área inferior à do módulo, mas no desmembramento ou na divisão do imóvel rural, em área inferior à do módulo, e desde que daí decorra violação ao Estatuto da Terra.” Vê-se que o entendimento é pela possibilidade de se alienar fração ideal de imóvel rural menor que o definido para o módulo fiscal, entretanto, entre a possibilidade oriunda dos precedentes e a lavratura da escritura pelo tabelião há uma distância bem maior do que o módulo fiscal que, acaso superada, haverá outra distância entre lavrar a escritura e ela ser registrada. Agora, experimente não pagar o ITR dessa sua fração ideal para você ver se não receberá a visita do Fisco. Sabe aquela fração que você herdou de um sítio? Pois é. Talvez, será a herança de outra pessoa.
(Advogado especialista em Direito Imobiliário e vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário da 4ª Subseção de Rio Claro/SP)

Leandro César Crispim